Por Antidote
Esteve hoje um dia bonito, frio e luminoso, um dia glorioso de um Janeiro muito condescendente. Decidimos pegar no carro, meter uma cesta de piquenique na mala e ir visitar aquela vila medieval que há tanto tempo queriamos os três visitar. Na verdade o mais importante era o passeio de carro até lá, com uma caixa de cassetes no fundo do carro a rebolar contra o termo do chá.
Abrimos a capota do carro e ligámos o aquecimento. Mesmo com Sol, 5 graus nao sao brinquedo. Encasacámo-nos, mas insistimos na capota aberta. Atravessamos os kms de subúrbio que são sempre interessantes de ver de relance mas onde ninguém que quer ser levado a sério diz que quer morar. Sofremos com sorrisos mesmo palermas e "com um brilhosinho nos olhos" as futuras constipações e pneumonias que os transeuntes nos desejavam ou profetisavam.
Atravessámos as colinas ondulantes em velocidade própria de reformados com uma overdose de drunfos. Os Durutti Column em autoreverse. Fomos ultrapassados por todos os carros e por fim ficámos sós mais o alcatrão, contra o recorte das montanhas ao fundo. O Sol projectava sombras escuras e longuíssimas sobre o verde impossivelmente brilhante. Estávamos felizes, intimamente felizes, e felizes uns com os outros. Todos. Provavelmente perguntavamo-nos intimamante porque não voltávamos a estar juntos se conseguiamos recriar um momento tao belo práticamente sem esforço. Mas ninguém o disse em voz alta. Talvez porque todos soubessemos que não fosse preciso.
Chegámos ao nosso destino, que decididamente valeu a pena. Acabámos por desprezar a voltinha cultural em detrimento do prazer intemporal de passear á margem do rio onde já se passeou tanta gente durante tantos séculos. Um verdadeiro Sábado burguês, onde não faltaram as compras, num antiquário improvisado numa cave contigua ás muralhas, a cheirar a tempo e a saudades, donde saimos com a habitual quantidade de música e de objectos inverosímeis que irão mais dia menos dia acabar numa cave escura, ou noutro antiquario, muito longe daqui. Ou talvez não.
De repente, a discussao estalou, violenta, desnecessária, sem ser chamada, e ridícula, como todas, aliás. Interrompe-se ali de repente o estado de graça, perde-se o fio condutor, o Mundo fica feio de repente e queremos voltar para as saias da mãe ou pelo menos sair dali, e de ao pé uns dos outros, o mais depressa possível, pois sabemos que este conflito já é uma história antiga e que os rios não correm para trás.
Ficou entao esclarecido porque é que não estamos juntos. Por causa de coisas como esta. Mas temos todos a certeza não verbalisada e agridoce de que são estes momentos que nos dao a certeza do precioso presente e nos retiram o chumbo do medo do futuro. Nao temos nada a perder porque o nosso presente é este, e nao esperamos nada do futuro. A beleza presente é nossa, principalmente porque a não tentamos aprisionar.
Fugimos entao para o carro que nos vai dar no fim da viajem de volta a cada um de nós essa possibilidade de isolamento. Mas na rua ouvimos música que acabamos por seguir, como criancas. Um grupo dança e uma multidão aplaude. É a grande festa! Explicam nos que é uma danca especial que só ocorre de 7 em 7 anos, desde há mais de cinco séculos. Afasta o azar e a doença e a má sorte em geral. Bebemos uma aguardante com a multidão. Estamos em ferida, mas apaziguados. Vamos para o carro, estendemos uma toalha de quadrados azuis e brancos sobre o capot e fazemos o nosso piquenique ali, enquanto a multidão e a dança se afastam lentamente.
Agora estamos todos em casa. Fizemos as pazes sobre uma boa velha feijoada e uns pratos de tapioca. Medronho a fechar. Imaginei a viagem toda, enquanto conduzia, zangada e amuada, e enquanto só queria chegar para estar sózinha, que ia ter de arranjar maneira de não ver estes dois durante algum tempo. E agora que chegámos, foi automático sentarmo-nos á mesa e comer, como o temos feito desde há tanto tempo, como família que nao deixámos de ser, mesmo depois de não estarmos os 3 juntos há algum tempo.
Escrevo isto agora. Vou acabar, gravar e publicar, e vou alí para o sofá juntar-me a eles. Nao sei o que a noite me reserva, mas vai ser sem dúvida uma óptima noite. No Presente e sem Futuro for all I care. Ou talvez com Futuro. Não interessa, não vou fazer por isso. Tudo é Kismhet.
Esteve hoje um dia bonito, frio e luminoso, um dia glorioso de um Janeiro muito condescendente. Decidimos pegar no carro, meter uma cesta de piquenique na mala e ir visitar aquela vila medieval que há tanto tempo queriamos os três visitar. Na verdade o mais importante era o passeio de carro até lá, com uma caixa de cassetes no fundo do carro a rebolar contra o termo do chá.
Abrimos a capota do carro e ligámos o aquecimento. Mesmo com Sol, 5 graus nao sao brinquedo. Encasacámo-nos, mas insistimos na capota aberta. Atravessamos os kms de subúrbio que são sempre interessantes de ver de relance mas onde ninguém que quer ser levado a sério diz que quer morar. Sofremos com sorrisos mesmo palermas e "com um brilhosinho nos olhos" as futuras constipações e pneumonias que os transeuntes nos desejavam ou profetisavam.
Atravessámos as colinas ondulantes em velocidade própria de reformados com uma overdose de drunfos. Os Durutti Column em autoreverse. Fomos ultrapassados por todos os carros e por fim ficámos sós mais o alcatrão, contra o recorte das montanhas ao fundo. O Sol projectava sombras escuras e longuíssimas sobre o verde impossivelmente brilhante. Estávamos felizes, intimamente felizes, e felizes uns com os outros. Todos. Provavelmente perguntavamo-nos intimamante porque não voltávamos a estar juntos se conseguiamos recriar um momento tao belo práticamente sem esforço. Mas ninguém o disse em voz alta. Talvez porque todos soubessemos que não fosse preciso.
Chegámos ao nosso destino, que decididamente valeu a pena. Acabámos por desprezar a voltinha cultural em detrimento do prazer intemporal de passear á margem do rio onde já se passeou tanta gente durante tantos séculos. Um verdadeiro Sábado burguês, onde não faltaram as compras, num antiquário improvisado numa cave contigua ás muralhas, a cheirar a tempo e a saudades, donde saimos com a habitual quantidade de música e de objectos inverosímeis que irão mais dia menos dia acabar numa cave escura, ou noutro antiquario, muito longe daqui. Ou talvez não.
De repente, a discussao estalou, violenta, desnecessária, sem ser chamada, e ridícula, como todas, aliás. Interrompe-se ali de repente o estado de graça, perde-se o fio condutor, o Mundo fica feio de repente e queremos voltar para as saias da mãe ou pelo menos sair dali, e de ao pé uns dos outros, o mais depressa possível, pois sabemos que este conflito já é uma história antiga e que os rios não correm para trás.
Ficou entao esclarecido porque é que não estamos juntos. Por causa de coisas como esta. Mas temos todos a certeza não verbalisada e agridoce de que são estes momentos que nos dao a certeza do precioso presente e nos retiram o chumbo do medo do futuro. Nao temos nada a perder porque o nosso presente é este, e nao esperamos nada do futuro. A beleza presente é nossa, principalmente porque a não tentamos aprisionar.
Fugimos entao para o carro que nos vai dar no fim da viajem de volta a cada um de nós essa possibilidade de isolamento. Mas na rua ouvimos música que acabamos por seguir, como criancas. Um grupo dança e uma multidão aplaude. É a grande festa! Explicam nos que é uma danca especial que só ocorre de 7 em 7 anos, desde há mais de cinco séculos. Afasta o azar e a doença e a má sorte em geral. Bebemos uma aguardante com a multidão. Estamos em ferida, mas apaziguados. Vamos para o carro, estendemos uma toalha de quadrados azuis e brancos sobre o capot e fazemos o nosso piquenique ali, enquanto a multidão e a dança se afastam lentamente.
Agora estamos todos em casa. Fizemos as pazes sobre uma boa velha feijoada e uns pratos de tapioca. Medronho a fechar. Imaginei a viagem toda, enquanto conduzia, zangada e amuada, e enquanto só queria chegar para estar sózinha, que ia ter de arranjar maneira de não ver estes dois durante algum tempo. E agora que chegámos, foi automático sentarmo-nos á mesa e comer, como o temos feito desde há tanto tempo, como família que nao deixámos de ser, mesmo depois de não estarmos os 3 juntos há algum tempo.
Escrevo isto agora. Vou acabar, gravar e publicar, e vou alí para o sofá juntar-me a eles. Nao sei o que a noite me reserva, mas vai ser sem dúvida uma óptima noite. No Presente e sem Futuro for all I care. Ou talvez com Futuro. Não interessa, não vou fazer por isso. Tudo é Kismhet.
1 comentários:
Kiddo, minha querida amiga,
É uma honra poder contar contigo como colaboradora neste blog. A delícia que foi ler este teu post, apreciar a escrita e viajar convosco.
Ficou muito mais rico este blog, bem hajas!
Votos de que a tua noite tenha sido tão bonita como a minha...
Jinhos
Helena
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