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dezembro 26, 2004

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Este Natal foi, eu diria, sóbrio.
Em vez de passarmos em casa, eu e a minha mãe decidimos ir passar o Natal a Fátima. Não por motivos de extrema devoção, mas por queríamos um lugar calmo, um lugar onde o Natal seria isso mesmo ... sóbrio.

Tendo em conta que o meu pai faleceu, fez agora um mês, este Natal passou-se bem: com paz, tranquilidade, alegria, tristeza, revolta, saudades, magia, doces ...
Não houve prendas embrulhadas, mas houve outras mostras de amor e carinho.

Penso que aquilo que de facto me agradou a mim e à minha mãe foi a sensação de que fizemos tanto neste Fim de semana e ela pouco se cansou. O que é natural, tendo em conta de que fui eu que levei sempre as malas, a ajudava a vestir-se e a despir, a empurrei numa cadeira de rodas no Santuário de Fátima ... enfim .. com muito orgulho e amor fui um verdadeiro Mordomo!

Um dos pontos altos foi de facto a ida ao Santuário de Fátima.
È indescritível o que se sente, esta mistura de emoções, uma rendição, uma humildade, uma revolta, um desprendimento ...
Andava eu muito envolta nas minhas orações, agradecimentos e pagamentos quando um click se fez dentro da minha cabeça: “Helena Margarida, tu estás em Fátima. O que não falta aqui é Padres ... que tal quando a tua mãe for ao confessionário ... tu não te vais confessar também?”
E fui!

- Boa tarde Sr. Padre
- Entra, entra, Boa tarde menina, então como vai...

e lá fizemos as nossas apresentações, o que me tinha trazido de novo a Portugal, o que me tinha levado a Fátima, de como eu cuidava da minha mãe.... e o Sr. Padre a dar louvores pelo meu comportamento e amor.
Depois é que a porca torceu o rabo:

- Mas, sabe, Sr.Padre, eu não venho aqui para me confessar ou coisa no género. Quero dizer, não é que eu não peque. Provavelmente eu peco todos os dias, mas dos meus pecados só mesmo Deus me os pode absolver.
O que eu quero é uma coisa diferente, quero que o Sr. Padre me ajude a fazer as pazes com a igreja Católica, porque metade de mim é Cristã e a outra Pagã.
È que sabe, Sr.Padre eu sou Gay ...
- A menina é o quê?
- Sou lésbica, gay ... sabe.
- ahh, sim
- ok ... então diga-me Sr. Padre, porque é que eu devo aceitar e acreditar naquilo que a Igreja Católica diz e ensina se a mesma me descrimina. Porque devo eu de seguir uma religião que não me aceita como eu sou? Sim, porque se trata de religião ... Porque acredito em Deus independentemente daquilo que a Igreja Católica afirma.
Como podem dizer que o amor que eu sinto por uma mulher é contra-natura?
- Oh minha filha, é contra natura pois a Bíblia nos diz assim. Deus fez o homem e a mulher e disse-lhes Crescei e Multiplicai-vos. A Bíblia fala-nos de homem e mulher, não de mulher e mulher. Isso é artificial.

Aqui eu quase que me levantei e disse-lhe que assim não íamos a lado nenhum. Porém, já que ali estava, decidi continuar.

- Mas, Sr. Padre, a Bíblia também nos diz outras coisas que hoje em dia já não se praticam. Hoje em dia seria impensável atirar pedras a uma mulher infiel! Como é que se pode ter uma medida e duas colheres? Por isso é que só Deus me pode perdoar dos meus pecados. Como é que pode o Sr. Padre dizer-me que é artificial o amor e o desejo que sinto em ter uma pessoa para amar, crescer, acompanhar e viver para o resto da minha vida. O que tem isso de artificial se a minha identidade assim o exige?

A verdade é de que eu e o Sr. Padre não conseguimos chegar a lado nenhum.
A nossa conversa já tinha durado tempo demasiado e havia mais pecadores para purificar.

Dou-me por mim a pensar que não me interessa mais.
Tenho o meu Deus, a minha Deusa, as minhas Santas e Santos, Anjos, Elfos e os meus rituais. Para mim é isso que importa, tudo o resto são pormenores.
A verdade é de que saí do confessionário sem absolvição ou abençoada!
Nessa noite ao jantar, eu e a minha mãe ainda nos fartamos de rir com esta situação.

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