Já vi muitos nasceres do sol, diferentes localidades, diferentes países , diferentes cenários a diferentes temperaturas. Mas, nenhum conseguiu ainda superar o nascer do sol na Lezíria ribatejana. A partir do Jardim Palha Blanco em Vila Franca de Xira, sentada à beira rio, não falta muito para ver nascer o Sol num dia de céu claro. O sol nasce cor de rosa e todo o céu se assemelha a uma enorme massa de algodão doce ainda por enrolar num paizinho de madeira. Depois vem a magia: lentamente o cor de rosa vira, laranja e na linha do horizonte ergue-se a bola de fogo que estende os seus raios, primeiro pela Lezíria e em seguida pelo Rio Tejo, provocando um espectáculo de reflexos de múltiplas cores.
Se há momentos únicos , este é um deles, quando o campo abraça a cidade e nós no meio. Quantas vezes nas noites de Colete Encarnado, depois de uma noite de buba, sardinhas e toiros a malta peregrinava para o jardim afim de ver mais este espectáculo à margem do Programa de festas. Hoje, vi-o de novo. A estação de comboios fica a paredes meias com o Jardim e esta foi assim assim a forma perfeita de iniciar uma viagem até à Serra da Estrela. Mal sabia eu de que este inicio auspicioso, seria apenas um momento, entre muitos que carregariam para mim um sentido de ser, de existir, mas acima de tudo, de pertencer. Antes de viajar lá para fora fiz questão de conhecer o meu próprio País, desde os tempos dos Escuteiros que me lembro de andar de mochila e tenda às costas a passear de Norte a Sul, de Este a Oeste. A beleza que este pais encorpa não é de forma alguma menor do que a de outros países que conheci.
As saudades de facto são uma coisa curiosa. Desta vez até achei piada aos pacóvios que vão passar o Natal à terra e da forma como atam as malas com cordéis e de como deixam os ramos de coentros de fora do bolso lateral da mala. Achei piada às senhoras que falam com este e o outro mundo, que alvitram sobre as horas e o frio, que desembaraçadas ajudam a entrar no comboio esta e aquela pessoa. Mal sabem elas de que aqui, hoje, vai a parola mor! Agora o Intercidades é mais do que um comboio. É um Inter memorias de lugares, sabores e emoções que me percorrem o corpo e a alma, as memórias passadas e aquelas que hão de ficar.
O Almeida Garrett tinha, sim senhora, as coisas na perspectiva certa nas suas viagens à volta da terra dele, que é a minha também e do mundo que a quiser e a respeitar. Terra das arvores brancas, dos Pinheiros bravos e mansos, do tempo do D.Dinis e do meu, dos Eucaliptos insustentáveis , dos Rios que rasgam as montanhas, dos Vales pintados com casas caiadas de branco, da casa amarela da vizinha, que não é minha, mas hoje ate parece que é, dos cães que ladram ás próprias pulgas à porta da igreja, das grutas que escondem Fadas e Duendes, das lendas da Moura encantada, das Princesas esquecidas e dos amores que viraram flores.
Isto de viver é engraçado e no mínimo caricato: Nascida em Lisboa, criada em Vila Franca de Xira, com sotaque do Porto (vai-se lá saber porquê) e com a terra vermelha do Algarve no meu coração eu sempre disse que era uma “Citizen of the World”. Que ridículo. Citizen sim, mas muito Portuguesa e com um orgulho exacerbado que já não se via desde os tempos da Padeira de Aljubarrota.
Hoje vivo em Londres e Londres é ... humm, diria ... um centro de sabedoria humana. Não se pense que Londres seja algo fenomenal, é apenas mais uma cidade e por isso nunca tive medo de ir. Diariamente fala-se em Londres mais de 1,200 dialectos, com uma população de cerca de 50 milhões - 4 vezes mais do que a de Portugal - Londres é o poço do Mundo, uma Meca para todo o Citizen!
Em Londres apreendi a respeitar a diversidade de culturas, de religiões, com os Ingleses apreendi o que significa ter uma vida estável , com os Alemães aprendi a ser mais produtiva, com os Australianos aprendi a rir de mim própria , com os Suecos apreendi a falar mais calmamente - se o faço ou não isso é outra historia! - com os Hindus apreendi que a família não é uma responsabilidade, mas algo tão vital como o pão que pomos para boca, com os Irlandeses aprendi que a nossa sorte somos nós que a fazemos, com os Chineses aprendi que serviço não tem que ser enfadonho e também aprendi que os Espanhóis não são os culpados pela miséria Portuguesa!
O meu ir para Londres nunca foi para ser uma viagem de descoberta. Foi uma viagem por amor. Foi a actriz Inglesa que enquanto estava a trabalhar com a companhia dela na Expo conseguiu arranjar tempo para viver um romance lusitano. Quando ela voltou para Londres, eu voltei com ela. 3 dias depois o romance quente de verão ficou frio como as madrugadas de Londres. Na altura a minha vida em Lisboa era uma barco à deriva sem leme, por isso pensei que não tinha nada a perder com uma temporada em Londres.
5 anos depois sei quem sou, porque sou e como sou. Sei o que me fará feliz e infeliz, sei o que posso dar aos outros e o que não posso. O que me interessa e as coisas para as quais não tenho tempo, nem paciência Sei onde quero ir, onde quero chegar e o que quero fazer, ando em transito mas um dia hei-de atracar e quando o fizer será com o orgulho de que tive a coragem de ir mas também de voltar.
dezembro 23, 2003
Viagens à volta da minha terra ...
Publicada por Helena à(s) terça-feira, dezembro 23, 2003
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